EM BUSCA DA IGUALDADE

“Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.”

(Karl Marx)

Uma sociedade democrática, justa e humanitária pressupõe o respeito a todas as pessoas e a garantia de direitos, independente de sexo, cor, idade, condições físicas, mentais e orientação sexual. Esta é uma disposição de nossa Lei maior, desde 1988. Cabe aos conselhos promoverem a discussão na sociedade, estimulando a transformação da mentalidade antiga para estes novos conceitos, visão de homens e mulheres, combatendo as desigualdades e valorizando a diversidade humana, em que todas as diferenças são fundamentais.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Relato de uma aluna do Curso Gestão em Políticas Públicas:

Apesar das diversas mudanças na política racial, às mulheres negras continuam obcecadas com os seus cabelos, e o alisamento ainda é considerado um assunto sério.  Insistem em se aproveitar da insegurança que nós mulheres negras sentimos com respeito a nosso valor na sociedade de supremacia branca!
Nas manhãs de sábado, nos reuníamos na cozinha para arrumar o cabelo, quer dizer, para alisar os nossos cabelos. Os cheiros de óleo e cabelo queimado misturavam-se com os aromas dos nossos corpos acabados de tomar banho e o perfume do peixe frito.

Não íamos ao salão de beleza. Minha mãe arrumava os nossos cabelos. Seis filhas: não havia a possibilidade de pagar cabeleireira.  Naqueles dias, esse processo de alisar o cabelo das mulheres negras com pente quente (inventado por Madame C. J. Waler) não estava  associado  na minha mente  ao  esforço  de  parecermos  brancas,  de  colocar  em prática  os  padrões  de  beleza  estabelecidos  pela  supremacia  branca. Estava  associado somente ao rito de iniciação de minha condição de mulher. Chegar a esse ponto de poder alisar  o  cabelo  era  deixar  de  ser  percebida  como menina  (a  qual  o  cabelo  podia  estar lindamente penteado e trançado) para ser quase uma mulher. Esse momento de transição era o que eu e minhas irmãs ansiávamos.
Fazer chapinha era um ritual da cultura das mulheres negras, um ritual de intimidade. Era um momento exclusivo no qual as mulheres (mesmo as que não se conheciam bem) podiam se encontrar em casa ou no salão para conversar umas com as outras, ou simplesmente para escutar a conversa. Era um mundo tão importante quanto à barbearia dos homens, cheia de mistério e segredo.

Tínhamos um mundo no qual as imagens construídas como barreiras entre a nossa identidade e o mundo eram abandonadas momentaneamente, antes de serem restabelecidas. Vivíamos um instante de criatividade, de mudança.
Eu queria essa mudança mesmo sabendo que em toda a minha vida me disseram que eu era "abençoada" porque tinha nascido com "cabelo bom" – um cabelo fino, quase liso –, não suficientemente bom, mais ainda assim era bom. Um cabelo que não tinha o "pé na senzala", não tinha carapinha, essa parte na nuca onde o pente quente não consegue alisar. Mas esse "cabelo bom" não significava nada para mim quando se colocava como uma barreira ao meu ingresso nesse mundo secreto da mulher negra.

Eu regozijei de alegria quando a minha mãe finalmente decretou que eu poderia me somar ao ritual de sábado, não mais como observadora, mas esperando pacientemente a minha vez. Sobre este ritual escrevi o seguinte:
Para cada uma de nós, passar o pente quente é um ritual importante. Não é um símbolo de nosso anseio em tornar-nos brancas. Não existem brancos no nosso mundo íntimo. É um símbolo de nosso desejo de sermos mulheres.
É um gesto que mostra que estamos nos aproximando da condição de mulher [...] Antes que se alcance a idade apropriada, usaremos tranças; tranças que são símbolo de nossa inocência, juventude, nossa meninice. Então, as mãos que separam, penteiam e traçam nos confortam. A intimidade e a sina nos confortam.
Existe uma intimidade tamanha  na  cozinha  aos  sábados  quando  se  alisa  o  cabelo, quando se frita o peixe, quando se fazem rodadas de refrigerante, quando a música soul flutua sobre a conversa.
É um instante sem os homens. Um tempo em que trabalhamos como mulheres para satisfazer umas as necessidades das outras, para nos proporcionarmos um bem-estar interior, um instante de alegrias e boas conversas.

Levando em consideração que o mundo em que vivíamos estava segregado racialmente, era fácil desvincular a relação entre a supremacia  branca  e  a  nossa  obsessão  pelo cabelo. Mesmo sabendo que as mulheres negras com cabelo liso eram percebidas como mais bonitas do que as que tinham  cabelo  crespo  e/ou  encaracolado,  isso  não  era abertamente  relacionado  com  a  idéia  de  que  as  mulheres  brancas  eram  um  grupo feminino mais atrativo ou de que seu cabelo liso estabelecia um padrão de beleza que as mulheres negras estavam lutando para colocar em prática.

Relato de uma aluna do Curso em Gestão de Políticas públicas em gênero e Raça - GPPGR/UFES

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